terça-feira, 3 de março de 2015

A história de quando a esquerda começou a matar a própria esquerda

por Arthur Ferreira

Os anos setenta no Brasil foram de muito sangue. Muito. Tanto que grupos armados da esquerda come- çaram os “justiçamentos”, execuções de possíveis militantes traidores. O primeiro deles foi um dos comandantes da ALN, Márcio Leite de Toledo que, com 26 anos, foi morto com mais de dez tiros. Estava descontente com os destinos da luta armada, a qual se distanciava do povo passo a passo.

Após a morte de Carlos Marighella, em 69 e a morte seguida de tortura do jornalista Joaquim Câmara Ferreira, ambos delatados por companheiros, a ALN decidiu começar com os justiçamentos, afim de evitar mais perdas.

O justiçamento fazia parte da cartilha revolucionária dos anos da ditadura e em Cuba era uma prática rotineira. Che Guevara conta, com precisão científica, em seus diários como matou um colega que fraquejara. Um caso semelhante a um justiçamento já tinha acontecido em 1936, quando Elza Fernandes, 16 anos, foi enforcada a mando de Luis Carlos Prestes por suspeita de trair os comunistas. Filho de integralista, da famí- lia dona do Instituto Toledo de Ensino em Bauru, Márcio Leite de Toledo já havia treinado guerrilha em Cuba. “Ele era o ‘matraqueiro’, responsável por dar cobertura aos colegas na ação com uma metralhadora”, diz Lídia Guerlenda, em entrevista à Folha. “Éramos quatro, e ele deixou a metralhadora no banco do carro, pôs a mão no bolso e ficou assobiando. Talvez fosse uma maneira de aliviar a tensão, sei lá, mas a atitude dele deixou todos indefesos”, mostrando a displicência de Márcio.

Como comandante da ALN, Carlos Eugênio Paz participou da morte de Márcio. “A ALN estava vivendo anos terríveis, começamos a perceber que tí- nhamos que tomar medidas de defesa”, Carlos Eugênio contou na sede estadual do PSB, no largo da Carioca para a Folha. “Se fosse detectado que uma pessoa ia ser presa ou cair, ajudando com informações que levassem à derrubada da organização, oferecíamos a oportunidade de deixar o país, como fizemos com Márcio. Como ele não aceitou, a organização iria justiçar”.

“Márcio foi o primeiro. Não havia maneira de enfrentar a questão. A ALN tomou essa medida corretamente, medidas que só se tomam em tempos de guerra. É uma medida extrema e irreversível, temos que conviver com ela”.

Márcio não queria mais luta armada. Deixara uma carta em um dos seus bolsos manifestando essa vontade. O cadáver era então um argumento da esquerda para que a organização fosse resguardada. Dois dias antes de morrer, Márcio visitara um primo, que disse à Folha que ele queria juntar todas as oposições contra a ditadura: “E comentou o desejo de, antes do recuo, armar uma operação contra o delegado Sérgio Fleury, o grande carrasco da esquerda brasileira”, disse Francisco José de Toledo, primo do militante justiçado, considerado um herói por seu irmão, já que tinha consciência das circunstâncias e mesmo assim continuou na opção que havia tomado.

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