Depois de 30 anos da assinatura da lei de Anistia no Brasil o debate sobre suas limitações continua
por Jéssica Frabetti
A lei da Anistia no Brasil foi
criada no último governo
da ditadura militar, no dia
28 de agosto 1979, pelo presidente
João Figueiredo. A lei visava
atender as diversas reivindicações
da população, que já
se manifestava para uma abertura
política desde a segunda
metade da década de 70. Ela
concedeu perdão aos crimes
políticos cometidos no regime
militar, mas com uma clara limitação.
O povo clamava por uma
anistia que fosse ampla – para
todos os crimes políticos; geral
– para todas as categorias de
atingidos pelos atos de exceção
do governo militar; e irrestrita
– sem nenhuma restrição para
sua aplicação. No entanto, isso
não aconteceu. A lei foi restrita,
excluía os que foram condenados
pela prática de crimes de
terrorismo, assalto, sequestro e
atentado pessoal. E também se
estabeleceu que a anistia fosse
recíproca. Esse acordo, na qual
se usou a expressão “crimes conexos
aos políticos”, fez com
que os agentes da ditadura não
viessem a ser punidos. Os temas
referentes a esclarecimento de
mortes, desaparecimentos e à
responsabilização do governo
ditatorial quanto a esses atos
não foram levados em conta.
Paulo Abrão, secretário Nacional
da Justiça e Presidente da
Comissão da Anistia, entende
que “a lei é ambígua por representar,
ao mesmo tempo, a vitó-
ria do governo militar que impôs
um projeto de lei que teve
a pretensão do esquecimento
e da impunidade, e também é
marco jurídico do processo de
redemocratização no Brasil”.
Mas, essa questão ainda não se
encerrou. Significativos passos
foram dados nos últimos anos
para reviver essa questão.
Comissão de Anistia
A Comissão da Anistia foi
criada em 2001, com o real propósito
de anistiar e reparar a todos
aqueles que foram atingidos
por atos de exceção entre 1946
e 1988. O presidente da comissão,
Paulo Abrão, explica que
“é principio basilar do estado
de direito que quando o Estado
causa prejuízos a terceiros por
sua própria iniciativa, ele tem o
dever de reparar. Então a Comissão
da Anistia leva adiante essa
obrigação”. Mas os julgamentos
não levam à punição dos agentes
do Estado que cometeram
atos de exceção. A comissão
funciona a partir de requerimentos
de cidadãos que gostariam
ter sua história reconhecida
como parte da narrativa oficial
da história, e, a partir desse requerimento
inicial, a comissão
promove algumas diligências
visando encontrar documentos
públicos oficiais que possam vir
a comprovar as alegações. “Com
esse conjunto documental, a comissão
delibera e esse ato de
deliberação corresponde à um
pedido de desculpas oficiais a
pessoa pelos erros que o Estado
cometeu no passado. E, se for
o caso, há algum tipo de reparação
econômica pelos termos
previstos na lei”. A comissão,
desde 2007, trabalha com o projeto
Caravana da Anistia, na qual
acontecem sessões reais do julgamento
da comissão, itinerantes
pelo país. Paulo Abrão conta
que com a caravana foi possí-
vel difundir o assunto “criando
conscientização, permitindo
encontros com a nossa história
e gerando um processo pedagógico
para a nossa juventude,
para que ela possa se apropriar
desse legado e aprofundá-lo no
futuro”.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
A corte é um órgão judicial
que visa interpretar a Conven-
ção Americana de Direitos Humanos.
Os países que assinaram
essa convenção se “comprometem
a respeitar os direitos e liberdades
nela reconhecidos e a
garantir seu livre e pleno exercí-
cio a toda pessoa que está sujeita
a sua jurisdição, sem qualquer
discriminação”. O Brasil faz parte
da convenção e foi condenado
pela incompatibilidade da Lei da
Anistia com o direito internacional
e a Convenção Americana.
Para o julgamento dos crimes
do Estado e seus agentes, o sistema
de justiça brasileiro precisa
reconhecer essa sentença. “Essa
é uma questão juridicamente
em aberto”, alerta Paulo Abrão.