terça-feira, 3 de março de 2015

O controle ideológico da censura sobre os movimentos culturais

por Solon Neto

Um dos pontos mais marcantes do período ditatorial no Brasil foi a censura aplicada aos meios de comunicação e, principalmente, às artes. Quase tudo que era produzido pelos meios de comunicação e pelos produtores culturais, que abrangiam, entre outros, cinema, música e teatro, passava pelo crivo da censura.

A censura no Brasil é quase uma tradição que vem desde o século XIX, mas estruturou-se apenas em 1946, potencializada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Os militares, essencialmente a partir do ano de 1968 com o Ato Institucional nº5, acrescentaram outras leis e reformas administrativas para que a censura pudesse agir no plano moral, político e ideológico. Era uma atuação ferrenha, que buscava formatar o que era veiculado pela imprensa, e pelos meios de cultura, às ideologias do regime militar.

Esse regime fechado obrigava os artistas, principalmente os com engajamento político, a “falarem pelas entrelinhas”. Foi assim com músicas como a famosa “Para não dizer que não falei das Flores”, de Geraldo Vandré, ou com “Roda Viva”, de Chico Buarque.

A biografia de Chico Buarque, escrita por Regina Zappa, demonstra que Chico não tinha tanto envolvimento com a militância política, assim como admitiu em entrevistas recentes, como no documentário “Uma Noite em 67”. De fato, nem sempre era necessário que o artista tivesse engajamento político para que fosse censurado. É o caso de Odair José, famoso músico que protagonizou um dos momentos mais enigmáticos da censura. Uma de suas músicas, “Uma Vida Só”, também conhecida pelo refrão “Pare de Tomar a Pílula” foi censurada pelo governo. Ele conta que suas músicas falavam muito sobre o cotidiano das pessoas, e o tema da “pílula” era um tabu: “o anti-concepcional era um grande tabu na cabeça das pessoas. Ninguém falava do assunto confortavelmente, era como uma coisa proibida, e foi observando essa desconfiança popular que resolvi escrever sobre o tema”. A mú- sica foi censurada não só no Brasil, mas em todos os países da América Latina onde o disco foi lançado e só foi liberada no último lote. “O governo achou aquilo um absurdo já que eles tinham um projeto de distribuição de pílulas para ter um controle da natalidade, e proibiram a canção, mesmo com o meu argumento de que a minha música, por ser didática, até ajudaria”.

(Divulgação)
Para Odair José, “a sensação [de trabalhar sob censura] era horrível, pois para quem está vivendo um momento de criação, o pior era a auto-censura, pois você termina por não se expressar da forma correta sobre aquilo que está pensando”.

Sobre o prejuízo trazido pela censura aos movimentos culturais, o professor Marcos Napoli, da USP, Univesidade de São Paulo, afirma que “a censura prejudicou o curso histórico dos movimentos culturais no Brasil. Aliada à repressão policial, a censura desorganizou o sistema cultural na primeira metade dos anos 1970, fazendo com que muitos artistas saíssem de cena e fossem para o exílio, em um momento que se estruturava a moderna indústria cultural brasileira e os movimentos culturais engajados se adensavam”.

Curta o OEDH!

Arquivo do blog

Busca

Tecnologia do Blogger.